Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

domingo, 12 de junho de 2016


O PAPIRO DE EBERS


Diversos rolos de papiro sobreviveram ao decorrer dos milénios e trouxeram até aos nossos dias informações preciosas sobre a prática da Medicina no antigo Egipto. Conhecem-se 14 rolos de papiros médicos, em estados variáveis de conservação. A maioria data do Império Médio (de 2050 a 1800 a.C.) mas contém informação recolhida em épocas anterires.
O Papiro de Ebers foi descoberto entre os restos de uma múmia, no túmulo de Assassif, em Luxor. Este papiro e o de Edwin Smith são quase contemporâneos.
O nome do papiro representa uma homenagem ao egiptólogo alemão Georg Ebers que o adquiriu, em 1873, ao comerciante de antiguidades Edwin Smith e o traduziu.´


Como tanto são referidos o nono ano do reinado de Amenofis I (1536 a.C.), como um dos reis do Baixo Egito, que governou 1.500 anos mais cedo, supõe-se que os textos antigos foram sucessivamente copiados. 
O Papiro de Ebers está em exposição na biblioteca da Universidade de Leipzig. Consiste num rolo de cerca de 20 metros de comprimento e 30 cm de altura, com 110 páginas. Encontra-se em excelente estado de conservação. O papel de cânhamo usado na época mostrou-se espantosamente resistente. O clima seco deve ter contribuído para evitar a deterioração das folhas.


Ao longo da sua longa história, o pensamento médico egípcio beneficiou de alguma evolução. Acreditava-se que a doença era o resultado da ação dum espírito maligno sobre o organismo. A cura só podia acontecer se o demónio saísse. Era esse o objectivo do exorcismo. O médico podia unicamente agir sobre alguns sintomas. O conhecimento empírico, aos poucos foi ganhando espaço às conceções mágicas, mas isso notou-se melhor nas afeções cirúrgicas que nas médicas.
O papiro enumera cerca de 700 fórmulas mágicas e muitos remédios populares. Refere variados encantamentos destinados a afastar os demónios causadores das doenças. Inclui uma descrição bastante aproximada do sistema circulatório.
São indicados tratamentos para vários tipos de enfermidades.
O Papiro de Ebers proporciona-nos ainda uma informação curiosa: os cuidados de saúde no antigo Egito eram gratuitos. O Estado pagava aos médicos, que gozavam de grande consideração.
Os médicos egípcios antigos utilizaram mais de 700 substâncias, sobretudo de origem vegetal. Foram eles que elaboraram a primeira farmacopeia da História. Faziam uso do alho, do colchicum, do incenso, da menta, do rícino, da mirra e da papoila dormideira, entre muitas outras plantas. O mel servia como base para unguentos curativos. Eram também usados produtos surpreendentes, como o leite de mulher grávida, o sangue de lagarto e livro velho fervido.
Um dos ingredientes mais vezes mencionados é o ocre, ou argila, prescrito tanto para disfunções intestinais como para problemas oculares, como a irritação provocada pela poeira, ainda hoje frequente no vale do Nilo.
Os cosméticos usados para a pintura dos olhos continham pigmentos tóxicos como o chumbo, o antimónio e a malaquite. Em doses pequenas, poderiam prevenir as infeções oculares.
Os cirurgiões egípcios suturavam as feridas e tratavam-nas com carne crua. Recorriam ao ópio para aliviar a dor. Imobilizavam membros fraturados e procediam a amputações.
Ficamos com a ideia de que os cirurgiões eram mais terra a terra e portanto mais eficazes, enquanto os médicos eram mais chegados à magia. Não conheço, contudo, referências à separação entre Medicina e Cirurgia no velho Egito.


Na falta de representações visuais elucidativas, o conhecimento da anatomia pode avaliar-se pela extensão do vocabulário conhecido. Sendo rico na descrição da anatomia superficial, era pobre ao referir-se aos órgãos internos. As vísceras representadas nos hieróglifos são quase sempre de animais. Os médicos egípcios conheciam os ossos, o coração, os pulmões, o cérebro, o fígado, os intestinos e a bexiga. Supunham que o funcionamento vascular era regulado pelo coração, mas não distinguiam veias de artérias, assim como não diferenciavam nervos de tendões. Acreditavam que o pensamento se localizava no coração. O cérebro, aliás, era removido pelo nariz no começo dos procedimentos de mumificação. Não era considerado essencial à sobrevivência da alma, não lhe sendo dado espaço nos vasos canopos.
Dou finda esta reflexão sobre o Papiro de Ebers reproduzindo um conselho que nele é dado às mães: deveriam untar os bebés com gordura de gato, para que os ratos os não incomodassem. 
Julgo que o preceito nunca foi popular entre os gatos. 

Fonte de texto e imagens: Internet.


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