Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

domingo, 19 de junho de 2016


MEDICINA GREGA 
PRÉ-HIPOCRÁTICA





 Os passos humanos seguem quase sempre trilhos antigos. As ciências e as artes não começaram do nada. Antes de Hipócrates, já a Medicina grega florescia. Eram conhecidas as escolas de Crotona, Epidauro, Cirene, Cnido e Cós.
Foram médicos Alcméon e Filolau de Crotona, Empédocles de Agrigento e até Diógenes de Apolónia. Xenófanes, Zenão, Parménides e Leucipo também influenciaram o pensamento hipocrático.

ALCMEÓN


Crotona era uma colónia grega no sul da Península Itálica e está associada a Pitágoras, que ali estabeleceu a sua escola filosófica. Foi também um alfobre de médicos ilustres, tendo lá estudado Alcmeón e Filolau.
Alcmeón terá nascido entre 535 e 510 a.C. Chamaram-lhe médico-filósofo, o que não admira pois, outrora, não era possível isolar a Medicina dos outros ramos do pensamento. Alcmeón estabeleceu paralelos entre a vida humana e a sociedade. Acreditava que a Justiça era o estado normal do mundo e que a Saúde resultava do equilíbrio adequado entre pares de qualidades opostas: húmido-seco, quente-frio, doce-salgado e ácido-amargo. A doença seria causada pelo predomínio de uma destas qualidades. Era a teoria dos humores, na sua formulação original.
Alcmeón atribuiu também às enfermidades causas externas: o excesso de alimentação ou a falta dela, a qualidade das águas, as características geográficas e a fadiga.
Terá praticado a dissecação de cadáveres humanos. Diz-se que descreveu as trompas de Eustáquio. Distinguiu as veias, que continham sangue escuro, das artérias, que transportavam sangue vermelho vivo. Esta noção, que só poderia resultar da observação de organismos vivos, perdeu-se, em seguida. Hipócrates confundia artérias e veias.
Alcmeón identificou os nervos ópticos. Considerou-os ocos e chamou-lhes canais. Esses “canais” conduziam as sensações ao cérebro, órgão que centrava a atividade mental, a psyqué. As doenças mentais seriam resultantes do mau funcionamento do cérebro. 
Alcmeón distinguiu a sensação da inteligência e intuiu a elaboração dos sinais recebidos. Esforçou-se por entender os mecanismos do sono e do despertar e formulou para eles uma teoria vascular que assentava na variação da quantidade de sangue presente. O sono seria desencadeado pelo recuo do sangue para as veias e o despertar resultaria da sua dispersão.
O grande médico de Crotona interessou-se pela Embriologia, procurando a explicação da vida. Afirmou que a cabeça do feto era a primeira parte do corpo a ser desenvolvida. Considerou que o sexo da criança era determinado pelo predomínio da semente materna ou paterna.
Depois de Alcméon, passou a considerar-se que a Fisiologia tinha um papel mais importante do que a Cosmologia na génese das enfermidades. Nem a prevenção, nem a cura das doenças teriam de apelar ao sobrenatural.

FILOLAU


Asseveram os teólogos e os vates antigos que a alma, por determinada expiação, está unida ao corpo e nele enterrada como em um túmulo.

Filolau terá vivido entre 470 e 385 a.C. e foi professor em Tarento. Esteve ligado a Alcméon e à escola de Cretona. Foi precursor das ideias de Hipócrates e de Platão.
Comparava o funcionamento do corpo humano ao do Universo. Como o mundo tinha um fogo central, também o corpo humano dispunha do seu. O calor deveria equilibrar-se com o frio. Para isso se inspirava o ar exterior, o qual era depois expulso, para que o excesso de frio não prejudicasse o organismo. A influência recíproca destes dois elementos contrários determinava o ritmo da respiração. A doença resultava da alteração deste intercâmbio.
  Filolau ganhou o seu lugar na cultura universal por ter sido o divulgador das ideias de Pitágoras.

EMPÉDOCLES


Empédocles nasceu em Agrigento, na Sicília. Terá vivido de 490 a 430 a.C.
Influenciou a Cultura e a Medicina ocidentais como poucos outros pensadores. Foi o criador da teoria cosmogónica dos quatro elementos, que iria ter aceitação generalizada durante cerca de dois milénios. O fogo, o ar, a água e a terra, combinando-se uns com os outros em proporções diversas, estariam na base de toda as estruturas do mundo.
Empédocles aceitou as ideias de Alcméon sobre os pares de qualidade opostas. A saúde resultaria da sua mistura harmoniosa e a doença do excesso relativo duma delas. Reformulou, contudo, a teoria dos humores, que seriam quatro: a bílis amarela, o sangue, o fleugma e a bílis negra. Esta conceção impregnou as ideias médicas prevalecentes na Europa até ao Renascimento e mesmo depois dele.
Empédocles interessou-se pela reprodução humana. Referiu o papel nutritivo da placenta e determinou a duração da gravidez.
Em alguns pontos, as suas ideias constituíram um retrocesso em relação às de Alcmeón de Crotona. Para ele, o conhecimento localizava-se no coração e era veiculado pelo sangue.
Foi o último filósofo grego a escrever em verso.Terá sido melhor poeta do que médico. Referiu a lua do olho claro, o mar, suor da terra e a noite solitária e cega…



BIBLIOGRAFIA
Alzina, A. Hipócrates: filosofia e mistérios em Medicina grega. Nova Acrópole (Internet).
Namora, F. Deuses e demónios da Medicina. Livraria Bertrand, Amadora, 1979.
Marques Filho, J. Alcméon de Cretona, o avô da Medicina. Revista Ser Médico, CREMESP, 29- abril/junho 2007 (Internet).

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