Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

sexta-feira, 19 de junho de 2015


        

         MEDICINA CHINESA E OCIDENTAL

          ALGUNS CONCEITOS PARALELOS


                               III

            OS "ESPÍRITOS" DE GALENO 

         E O "QI" DOS MÉDICOS CHINESES


A Medicina e a Magia nasceram de mãos dadas. Os vestígios desta geminação persistem nas sociedades modernas. Quando era preciso explicar um fenómeno incompreensível, recorria-se à intervenção dos espíritos.
Será interessante procurar analogias entre os "espíritos" de Galeno e o Qi, ou energia vital, dos médicos chineses.



Para Cláudio Galeno, certos aspetos da fisiologia humana eram influenciados por espíritos.
O «espírito natural» permitia ao fígado transformar o quilo em sangue.
O «espírito vital» nascia da combinação do calor inato do coração e do «pneuma», existente no ar inspirado. O sangue contido nas cavidades esquerdas do coração seria conduzido pelas artérias aos órgãos e tecidos periféricos. O calor gerado no coração e no sangue deveria ser dissipado pelos pulmões.
Finalmente, o «espírito animal» era formado no cérebro e depois transmitido a todo o organismo pelos nervos (que seriam estruturas ocas), para desencadear os movimentos e receber as sensações.1
      Passemos à medicina oriental.
«Qi é a matéria que está em vias de se tornar essência, ou a energia que se aproxima da materialização». A definição não é de Einstein, mas aproxima-se da Teoria da Relatividade.
Os médicos chineses atribuíam ao Qi uma grande versatilidade funcional. Eram cinco os seus tipos mais importantes.
O Qi central, ou «mar de Qi» localizava-se no peito.
Havia o Qi de cada órgão e de cada víscera, com características determinadas por eles, e o Qi dos meridianos.
O Qi protetor ou imunológico, que circulava, «forte e corajoso», defendendo o organismos das agressões externas.
Por fim, o Qi nutriente, gerado no sangue, distribuiria a energia proveniente da transformação dos alimentos por todo o corpo.



O Qi circula no organismo humano como um fluxo contínuo que segue um percurso certo, equilibrado, durante o qual vai sofrendo as alterações próprias da Natureza, passando de energia positiva (Yang) a negativa (Yin), para regressar à primeira forma de acordo com as zonas por onde passa e as influências que sofre do meio ambiente.
Se não houver obstáculos nocivos ao fluir natural e harmonioso desta energia, o corpo mantém-se saudável. Quando surge o desequilíbrio, cabe ao médico determinar onde falhou a energia e corrigi-la com tratamentos adequados.2

Para além do Qi, e segundo os mestres chineses, intervêm na fisiologia humana duas outras «essências», mistas de espírito e matéria: o Jing e o Shen. 
O Jing suporta a vida orgânica, intervindo na reprodução e no processo de crescimento. Compreende uma parte congénita e outra adquirida. É associado a um movimento orgânico mais lento que o resultante da ação do Qi.
O Shen costuma ser traduzido por «espírito», embora tenha um componente material. É a vitalidade, o motor que dinamiza o Qi e o Jing, ajudando ao funcionamento intelectual do homem. A dismnésia, a confusão mental e a inibição de ação são atribuídos à perturbação do Shen.

1 – A Arte de Sangrar de Cirurgiões e Barbeiros. J. Barradas, Livros Horizonte, Lisboa, 1999.

2 – Medicina chinesa – Em busca do equilíbrio perdido. C. Jorge e B. Coelho. Instituto Cultural de Macau e Círculo de Leitores,1988.

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