Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O MEU 25 DE ABRIL


A 25 de Abril de 1974, levantei-me cedo. A  minha mulher tinha uma visita de estudo marcada para Coimbra e tencionava levar com ela a nossa filha mais velha. A Cláudia, que era mais nova, foi comigo para S. José. 
Cheguei ao hospital por volta das oito e meia. Estranhei ver tantos carros de colegas estacionados junto ao Serviço 10. Quando entrei na sala dos médicos, já lá estava muita gente.
- Não sabes o que se está a passar? - perguntou-me o Ventura.
Eu não tinha ligado o rádio. Disse que não.
- Está a decorrer uma rebelião militar contra o governo. Os revoltosos intitulam-se Movimento das Forças Armadas. Dizem que estão a conseguir tomar conta dos pontos estratégicos de Lisboa.
Seguimos durante alguns minutos as notícias da rádio. A situação parecia indefinida. Eu e o Carlos Durão Maurício tínhamos operações marcadas para essa manhã. Resolvemos deixar uma das marquesas do bloco vaga para uma urgência eventual e fomos trabalhar na outra. A Cláudia ficou entregue às enfermeiras.
Quando acabámos de operar, eram horas do almoço. Ouvimos as notícias. O Movimento das Forças Armadas progredia no terreno. Não tinha dado entrada no Banco de S. José qualquer ferido de guerra.
Como não sabia como estava o caminho, aceitei o convite do Maurício para almoçar em casa dele.
Havia perto um quartel da Guarda Republicana e a situação continuava tensa. Enquanto o Maurício estacionava o automóvel, toquei à campainha. A Marilda perguntou, pelo intercomunicador:
- Quem é?
Perdi uma ocasião magnífica de parecer sensato. Respondi, com voz grossa:
- É a PIDE!
Quando subi ao terceiro andar, arrependi-me da piada. A esposa do meu colega e amigo tinha perdido o controlo dos nervos e estava lavada em lágrimas. Não teria grande coisa a recear da Polícia Política, mas aquele não era um dia como os outros e as pessoas andavam nervosas.


Tentei telefonar para casa, sem êxito. Não sabia da minha mulher e da minha filha mais velha, nem elas de nós. Após um almoço improvisado mas agradável, meti-me no carro e conduzi até perto da ponte sobre o Tejo, para me inteirar das condições de trânsito. O percurso estava livre. Fui buscar a Cláudia e regressei a casa. A viagem foi normal. Parecia nada estar a acontecer no País. 
A São e a Marisa nem tinham chegado a sair de Setúbal. Chegara a notícia do levantamento militar e a visita de estudo fora cancelada.
Acho que, para compensar a gaffe do fim da manhã, me portei bem durante o resto do dia. A perspectiva da queda do velho Estado Novo entusiasmava quase toda a gente. No entanto, em vez de ficar especado em frente à televisão, que era o que me apetecia, cumpri o meu dever e fui trabalhar.Tinha umas tantas visitas domiciliárias a doentes da Caixa de Previdência à minha espera. A festa foi adiada algumas horas.

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