Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A MORTE DE CAMÕES


Camões morreu em 1580. Terá sido vitimado por um dos três grandes surtos de peste que assolaram a capital do Reino e do Império, grande centro urbano europeu, na segunda metade do século XVI.
Em 1551, Lisboa contaria 100.000 habitantes. O crescimento populacional era periodicamente interrompido pelas epidemias de peste, que ceifavam milhares de vidas. O lugar que ocupava nas linhas do comércio atlântico permitia que o mal entrasse no seu porto "envolto em mercadorias". As grandes pestes quinhentistas chegaram por via marítima, espalhando-se depois a todo o País.
A peste era inicialmente transmitida por picadas de pulgas de ratos. O contágio de pessoa para pessoa era muito rápido A peste bubónica deve o seu nome aos "bubões", tumores inflamatórios duros e dolorosos dos gânglios linfáticos. Predominavam nas axilas e nas virilhas. Acompanhavam-se de febre, dores de cabeça e prostração. Nas formas pneumónicas da peste sobrevinham golfadas de sangue.
Em Portugal, a sétima década do século XVI começou de forma relativamente tranquila. A partir de 1578, o País agitou-se. No verão, foi levada a cabo a mobilização e a partida da armada para o Norte de África. Seguiu-se o desastre militar de Alcácer Quibir e a morte ou o cativeiro de muitos dos cerca de 17.000 homens que constituíam o exército português. Lembre-se que o velho cardeal D. Henrique, tio-avô de D. Sebastião, desaconselhou a aventura marroquina e recusou ocupar-se da regência do Reino durante a ausência do monarca.
Como um mal nunca vem só, a chuva faltou e ocorreu um ano de más colheitas. Para enegrecer ainda mais a situação, desencadeou-se em Lisboa, no mês de Setembro, novo surto de peste. Parece ter-se tratado da variante pneumónica, possivelmente associada a um recrudescimento de doenças endémicas, como a gripe e a difteria.
A epidemia agravou-se a partir de meados de Outubro de 1579. A corte abandonou a capital. Em Janeiro de 1580, a Casa da Peste já não comportava mais doentes. Escreveu-se que terão morrido em Lisboa 35.000 ou mesmo 40.000 pessoas. As contas foram feitas com base no estudo dos registos paroquiais. Os números podem ser exagerados. A mortandade desta epidemia parece ter ficado distante da que foi provocada pela "peste grande " de 1569.
Em Junho de 1580, a peste começou a abrandar. No seu estertor, arrebatou o maior dos nossos poetas. Não se conhece a data do seu nascimento, mas Manuel Lopes Fernandes afirma existir no Arquivo da Torre do Tombo o recibo do pagamento, feito a Ana de Sá, da tença devida a seu filho Luís de Camões, vencida de 1 de Janeiro até à data da sua morte: 10 de Junho.
O corpo de Camões terá sido envolvido numa mortalha e lançado, juntamente com outros cadáveres, numa vala comum do cemitério da Igreja de Santa Ana. Por essa altura, as tropas do duque de Alba tinham já entrado em Portugal.




Fontes:
Teresa Rodrigues. Fontes de Mortandade em Lisboa - séculos XVI e XVII. Livros Horizonte, Lisboa, 1990.
Oliveira Marques. História de Portugal. Pallas Editores, 7ª edição, Lisboa, 1972.
Wikipedia.
Ilustrações: Wikipedia.

Também publicado em O BAR DO OSSIAN