Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

HISTORINHAS DA MEDICINA



Aconteceu no meu consultório, em Setúbal. A doente, de meia-idade, referia queixas menores, localizadas à coluna lombar. Observei-a. Estava bem. Trazia radiografias simples que não mostravam patologia relevante. Julguei dispensáveis outros exames complementares de diagnóstico, dei-lhe alguns conselhos e mediquei-a.


Antes de se levantar para sair, a senhora premiou-me com um olhar admirador e com um piropo:


- O Senhor Doutor opera tão bem!


O meu ego inchou. A doente prosseguiu:


- Sou tia da Dolores... Na semana que passou, fez cinco anos que ela foi enterrada. Assisti à mudança das ossadas. A tampinha da cabeça estava tão bem feita...


O meu ego desabou.


A Dolores tinha 26 anos quando morreu. Era uma mulher encantadora e permaneceu consciente até perto do fim, a assistir ao próprio descalabro. Os glioblastomas não perdoam. São eles que fazem a má fama dos neurocirurgiões.


Meses antes ou depois, já não me lembro, tinha operado uma bela moça de 18 anos, também de Setúbal, com a mesma doença. Ao dar conta de que ia perder a vida, queixou-se:


- Eu sou boa rapariga... Não merecia uma sorte destas!


Ninguém merece.


Custa muito não ser capaz de salvar a vida de uma criança, mas a morte na adolescência ou no começo da vida adulta, sempre me tocou profundamente. É o tempo de amar e não de morrer.

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