Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

quarta-feira, 31 de março de 2010

HISTORINHAS DA MEDICINA


FALSOS MÉDICOS

Soube de uma falsa médica que foi condecorada pelo Presidente Jorge Sampaio nas cerimónias do dia 10 de Junho. Desempenhava uma actividade notável na promoção da defesa dos direitos dos portadores de uma doença rara. Na altura, intitulava-se médica reformada e não parecia representar perigo para os doentes. Dizia deslocar-se frequentemente à Alemanha para consultar uma autoridade na matéria, mas não consta que tenha passado de Badajoz.

Sempre achei que era fácil passar por médico. Na Psiquiatria, entidade alegadamente instalada nas fronteiras do corpo e da alma, o mais importante, na pequena patologia, é, às vezes, saber ouvir. Aprender as indicações e as posologias de um par de ansiolíticos e de alguns antidepressivos não constitui tarefa maior. O conhecimento científico pode tornar-se fácil de simular. Num contexto bem diferente, sei de moças bonitas que passaram por inteligentes e cultas por terem desenvolvido uma capacidade estranhamente rara: saberem calar-se. Chamem-lhes burras...

Como especialista com alguma experiência prévia nas urgências polivalentes, lembro-me de passar pelas salas de observação do banco de S. José e de me atrever a tentar diagnosticar, a alguma distância: aquele doente queixa-se de uma cólica renal; o do lado tem um edema agudo do pulmão; o outro padece de bronquite asmática; o da direita sofreu um acidente vascular cerebral... Acertava muitas vezes.

A patologia dominante, mesmo nas grandes urgências médicas, não é muito variada. A terapêutica inicial é mais ou menos uniforme para a maioria das situações. Qualquer pessoa sensata, mesmo sem preparação médica, pode aprender a conhecê-las e a fixar o primeiro tratamento. Quando ocorrem dúvidas, é quase sempre possível uma pessoa inventar um pretexto para se mudar para a sala vizinha e esperar que apareça alguém capaz de resolver o problema. Por outro lado, fica bem pedir a opinião de um médico mais diferenciado e segui-la.

Anos atrás, uma familiar de um colega meu ausente do País pediu-me que metesse uma cunha para lhe conseguir uma consulta de Oftalmologia. Dirigi-me a um jovem e brilhante especialista do Hospital dos Capuchos que se prontificou a atendê-la.

Confidenciou-me a senhora, dias depois:

- Deve ser um falso médico! Pediu ao colega do lado que colocasse a vinheta na receita e que a assinasse...

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