Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

quinta-feira, 11 de março de 2010

HISTORINHAS DA MEDICINA


O Professor José Bacalhau não era uma pessoa comum. Depois de ter estado afastado, durante vários anos, da Faculdade de Medicina de Coimbra por questões não sei se internas se externas à Universidade , regressou para terminar a carreira no lugar que era seu. Homem de fraca figura, adorava representar.

Criara, em benefício dos alunos, uma série de aforismos médicos que chegara a publicar. Haviam de acudir aos clínicos de vilas ou aldeias se o estudo não fosse muito e a memória lhes falhasse. A minha deve estar a falhar bastante, pois só me lembro de um: "Gástrico a salivar, de cancro desconfiar".

Naquele tempo, as aulas teóricas eram de assistência facultativa e as práticas obrigatórias. Para garantir uma audiência que lhes confortasse os egos, muitos professores promoviam as teóricas a teórico-práticas. As faltas eram assinaladas pelo bedel.

Lá estava, no salão (creio que era o "nobre") do hospital antigo, uma centena de alunos ensonados a esforçar-se por ouvir o Mestre de Propedêutica Cirúrgica.

Para ser prática, a aula obrigava à presença de doentes. Recordo um velho baixinho sentado numa cadeira colocada um pouco à esquerda e à frente da secretária do Professor. Olhava o auditório com receio. Seria assim que as vítimas encaravam os anfiteatros romanos.

O Professor José Bacalhau começou a colheita da História Clínica pelos antecedentes.

- O senhor fuma?

- Não, senhor professor.

- O senhor bebe?

- Não, senhor professor.

- O senhor anda com mulheres?

- Não, senhor professor...

José Bacalhau sacou um berro do fundo da alma:

- O SENHOR É UM BURRO!

O pobre doente fez-se ainda mais pequeno.

A risada cruel da turma terá satisfeito a ânsia de ribalta do professor de cirurgia. Também me ri, mas saí da aula a pensar que, quando adoecesse, preferia internar-me num hospital não escolar.


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