Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

PEDRO HISPANO - MÉDICO E PAPA



Pedro Hispano, ou Pedro Julião, nasceu em Lisboa entre 1216 e 1218. Seria filho do médico Julião Rebelo. Terá frequentado a escola da Catedral de Lisboa.
Seguiu para Paris, onde estudou Medicina. Leccionou na Faculdade de Artes de Paris e, entre 1246 e 1252, foi Professor de Medicina na Universidade de Siena. De volta a Portugal, em data incerta mas antes de 1261, fez-se padre. Protegido por D. Mateus, bispo de Lisboa e pelo rei D. Afonso III, exerceu diversos cargos eclesiásticos e diplomáticos. Foi Deão em Lisboa, Arcediago em Braga, Prior da Igreja de Santa Maria de Guimarães, Arcebispo eleito de Braga, e Cardeal-Bispo de Túsculo. Participou no II Concílio de Leão, em 1274.
Pedro Hispano cultivou as ciências da época, e houve quem lhe chamasse “o sujeito mais douto do seu tempo”. Dividiu a sua actividade pela Filosofia, pela Teologia, pela Medicina e pela Matemática. Tantos textos são ligados ao seu nome (mais de 50), que se duvida da paternidade de todos. Dante atribui-lhe apenas a autoria de uma dúzia de volumes. A verdade é que existiram, na época, diversos “Pedros Hispanos”, sendo difícil distinguir os créditos de uns e de outros.
Apesar de ter sido um dos médicos portugueses mais conhecidos na Europa em todos os tempos, Pedro Hispano deu precedência à Filosofia nas ciências que cultivou.
Como filósofo, foi investigador e divulgador. Fez uso dos textos de Aristóteles, transmitidos e comentados pelos árabes. Avicena influenciou muito a sua obra. O pequeno compêndio Sumulae Logicales constituiu um extraordinário best-seller. Editado mais de 200 vezes na Europa, foi utilizado no ensino dos noviços ao longo de séculos.
As obras de Pedro Julião sobre Medicina representam, no essencial, compilações de textos árabes e dos seus comentadores. Reflectem os conceitos médicos aceites na época em Paris, onde aprendeu.
É-lhe atribuída a autoria de vários textos importantes, como o Teshaurus pauperum (Tesouro dos pobres). Essa obra, que descreve o tratamento de várias doenças, circulou em toda a Europa e foi traduzido em 12 línguas. Conhece-se cerca de uma centena de edições. Curiosamente, pode verificar-se que, ao tempo, as obras de Hipócrates eram praticamente desconhecidas na Europa. O grande médico de Cós não é referido por Hispano, enquanto que Galeno e Avicena são repetidamente citados.
O Thesaurus aconselha a utilização de diversas substâncias de origem vegetal com virtudes terapêuticas reconhecidas, mas faz também ensinamentos curiosos. A pleurisia devia ser tratada recorrendo à sangria, o que debilitaria ainda mais o pobre doente. Um meio de evitar doenças oftalmológicas seria transportar no bolso olhos de lobo. Quem levasse consigo os nomes dos três reis magos não sofreria ataques epilépticos.
O tratado de oftalmologia De oculo teve ampla divulgação entre os médicos europeus. Conta-se que, quando Miguel Ângelo foi atingido por um mal nos olhos, ao tempo da decoração da Capela Sistina, se curou graças a uma receita do nosso médico. Não sabemos se os olhos de lobo tiveram influência no resultado.
Em 1275, foi escolhido para médico principal do papa Gregório X.
Em 1276, Pedro Hispano foi nomeado papa e escolheu o nome de João XXI. A sua eleição fez-se em Viterbo, num período de grandes tensões políticas e religiosas. Alguns dos cardeais que integravam o conclave chegaram a ser agredidos.
O seu pontificado durou apenas 8 meses. João XXI faleceu em Viterbo, em 1277, vítima do desmoronamento das paredes do seu aposento. O facto deu muito que falar.
Pedro Hispano é o único português que se sabe, de fonte segura, ter subido ao céu. É a própria alma de São Boaventura, que terá sido seu condiscípulo em Paris, que o apresenta a Dante, no Canto XII da Divina Comédia.

Aqui estão Agostinho e Iluminado,
Que foram dos mais cedo a descalçar-se
que o baraço tornou de Deus amigos.

Com estes estão Hugo de São Vitor,
E Pedro, o Comedor, e Pedro Hispano,
O qual na Terra brilhou em doze tomos...

Quem sou eu para pôr em dúvida os testemunhos de Dante Alighieri e de Beatriz?


Referências:
Texto:
Alighieri, Dante. A Divina Comédia. Círculo de Leitores, 1981.
Dicionário da História de Portugal. Direcção de Joel Serrão. Livraria Figueirinhas,
Porto, 1985
Lemos, Maximiano. História da Medicina em Portugal. Publicações Dom
Quixote/Ordem dos Médicos, Lisboa, 1991.
Wikipedia.

Fotografia:
Dicionário da História de Portugal. Livraria Figueirinhas, Porto, 1985.


Já publicado em O BAR DO OSSIAN.





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