Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A MEDICINA ENTRE OS VISIGODOS



O Código Visigótico, compilado no ano de 654, no tempo de Recesvinto, e aprovado no VIII Concílio de Toledo, não tinha os médicos em grande conta. Trata--se de uma obra complexa que traduz a fusão das influências romana e germânica. Foi revisto, anos mais tarde, mas pouco mudou até ao final do reino visigótico. Algumas das suas normas pareciam destinar-se a proteger os doentes da incúria ou da ganância dos clínicos.
Mal ficava referir os Concílios de Toledo sem falar da minha terra, Almendra, vila do concelho de Foz Côa. Numa colina próxima, na direcção do rio Douro, encontram-se os vestígios da antiga Caliábria dos visigodos. As ruínas mal se vêem. Tudo o que tinha utilidade foi levado há muito e nada assinala um passado de certa grandeza. No entanto, os bispos da cidade participaram activamente nos Concílios de Toledo entre os anos 621 e 693. Terão ajudado a discutir e aprovar este Código.
As regras a aplicar eram diferentes consoante a posição social do paciente. Como os nobres eram os próprios visigodos e os nossos (meus) humildes antepassados eram obrigados a servi-los, estavam previstas indemnizações maiores e penas mais pesadas para os casos dos senhores que sofriam e se davam mal com a medicação. Estávamos muito longe do Serviço Nacional de Saúde, universal e tendencionalmente gratuito. Assim, nenhum médico poderia sangrar mulher ou filha de nobre sem que um parente ou um criado assistisse à intervenção. Se um nobre sofresse uma lesão supostamente iatrogénica, o médico teria de lhe pagar uma quantia de cem soldos. Se morresse, em consequência (ou apesar) dos cuidados prestados, o infeliz curandeiro seria entregue aos parentes, que fariam dele o que entendessem.
Era bem preferível causar um aleijão, ou a morte, a um servo. Em casos desses, bastava comprar um novo para o substituir. Subentende-se que os honorários seriam substancialmente diferentes de uma classe para outra.
O preço dos cuidados era combinado logo que o doente fosse observado, e antes de começar o tratamento. Em caso de morte do paciente, nenhuma quantia era devida. Infere-se daqui a dificuldade que os familiares de doentes graves ou terminais encontrariam para arranjar um clínico que se atrevesse a cuidar deles.
A aprendizagem do ofício estava também regulamentada. O médico recebia doze soldos pelo ensino de um discípulo.
A legislação visigótica terá sido aceite e mais ou menos aplicada pelas comunidades moçárabes entre os séculos VII e XI da era cristã.

Fontes:
Lemos, Maximiano. História da Medicina em Portugal. Publicações Dom Quixote / Ordem dos Médicos. Lisboa, 1991.
Nogueira. J.A. As Instituições e o Direito. Em: História de Portugal, Publicações Alfa, Lisboa, 1983.
Trabulo, António. Retornados. Editorial Cristo Negro, Lisboa, 2009.

Ilustrações:
História de Portugal, Publicações Alfa, Lisboa, 1983.








Já publicado em O BAR DO OSSIAN

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